sábado, março 03, 2007

O Bairro dos Pobres

Lisboa não é um campo de refugiados. Mas quem percorre as principais artérias da cidade facilmente se depara com centenas de homens e mulheres que simplesmente desistiram de viver em sociedade e se renderam ao abandono das ruas e da misericórdia alheia. O panorama é triste e desolador. Em entradas de edifícios devolutos, escadarias de igrejas, debaixo de pontes ou em becos sombrios encontra-se um imenso albergue a céu aberto, com camas de campanha improvisadas, onde os colchões foram trocados por simples cartões abandonados cobertos por um velho cobertor.
continua em salmos

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1 Comments:

At 03 março, 2007 19:05, Blogger salmista said...

No mandato de João Soares as barracas foram erradicadas e as colónias de pobres transferidas para os bairros sociais entretanto construídos pela Câmara de Lisboa, ao abrigo do Programa Especial de Realojamento (PER). O processo é questionável pela forma como as pessoas foram despejadas em prédios sem o devido enquadramento social, criando novos guetos dentro da cidade.

Nos pátios e vilas de Lisboa (onde residem as gerações seguintes dos operários que migraram do norte e do interior do país em busca do El Dorado da capital, mas acabaram mais pobres do que eram) encontramos famílias numerosas, vítimas do desemprego e muitas delas a viver no limiar da pobreza.

Outro grupo populacional, onde o passar dos anos deu lugar ao isolamento, são os idosos que teimosamente resistem à desertificação nos bairros históricos e cuja pensão de sobrevivência é insuficiente para pagar o custo dos medicamentos ou o preço de uma companhia amiga.

Estes são os esquecidos de Lisboa que vivem hermeticamente escondidos em casas em ruína e sem condições mínimas de habitabilidade.

Em muitos casos, para desabitar os edifícios e iniciar obras coercivas, a autarquia atribuiu apoios financeiros aos residentes, criando um complexo esquema de subsídio dependência, sem quaisquer mecanismos de fiscalização, onde os oportunistas correram mais depressa do que os necessitados.

Um dos princípios subjacentes à criação de impostos é a vocação social do Estado e a sua capacidade para redistribuir a riqueza. A Câmara de Lisboa limita-se a transferir dinheiro, de forma aleatória, para algumas instituições particulares de solidariedade social, para tranquilizar a consciência pelo trabalho social que não faz. Em um país onde existem dezassete funcionários do Estado por cada habitante urge requalificar, reposicionar e remotivar os trabalhadores que são pagos pelo erário público.

Os pobres de Lisboa não precisam apenas de misericórdia, estão à espera de justiça. Aguardam que os eleitos pelo povo lhes restaurem as esperanças perdidas. Que os requalifiquem para o mercado de trabalho. Que lhes dêem a derradeira oportunidade para voltar à sociedade.

Em Lisboa pouco se conhece sobre o arrojado relatório de Jeffrey Sachs (reputado economista e autor de O Fim da Pobreza) e os oito Objectivos do Desenvolvimento do Milénio definidos pelas Nações Unidas para erradicar a pobreza extrema até 2015.

O professor Muhammad Yunus, (Prémio Nobel da Paz, fundador do Grameen Bank e autor de O Banqueiro dos Pobres) depois de mais um dia a leccionar na universidade, percorreu as estradas da capital do Bangladesh e sentiu que as teorias económicas que ensinava aos seus alunos eram impotentes para responder à tragédia social que encontrava nas ruas. Com um empréstimo de apenas vinte e sete dólares iniciou o micro-crédito e pouco tempo depois milhares de famílias com baixos recursos económicos deixaram de viver no limar da pobreza e tornaram-se empreendedores activos.

Enquanto decorria a reunião dos G20, com os ministros das finanças dos vinte países que representam dois terços da população mundial, os U2 realizavam mais um mega concerto em Melbourne, na Austrália. Bono Vox, fervoroso activista na luta contra a pobreza, no meio de uma das músicas gritava aos fãs, afirmando que “é tempo dos políticos eleitos pelo povo fazerem o que nós queremos que eles façam” porque são pagos com o dinheiro dos nossos impostos.

O pior que pode acontecer a um político no exercício do poder é o seu trabalho não servir para nada. O melhor que o Presidente da Câmara e os vereadores de Lisboa podem oferecer aos munícipes é trocar umas horas da tecnocracia dos gabinetes e da intriga partidária por uma caminhada pelas ruas e bairros da cidade até encontrarem uma solução para os infindáveis problemas sociais.

Parafraseando o líder dos U2: “Já pusemos o homem a andar na Lua... chegou a hora de voltarmos a colocar a humanidade em Lisboa."

 

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